Para Um Novo Olhar Sobre a Problemática da Aprendizagem da Leitura


“Durante muitos anos, o acto de ler foi entendido como uma actividade essencialmente perceptiva. Pensava-se que o mais importante para aprender a ler era uma boa capacidade para discriminar formas visuais e sons.

Pensava-se igualmente que as crianças só aprenderiam a ler, se tivessem desenvolvido um conjunto de aptidões psicológicas tais como: um certo grau de organização perceptivo-motora, um desenvolvimento adequado da linguagem, um determinado nível de estruturação espacio-temporal, uma correcta organização do esquema corporal, um bom nível de desenvolvimento intelectual.

Considerava-se que todos estes aspectos constituíam pré-requisitos para a aprendizagem da leitura, ou seja, que sem os ter adquirido, as crianças não conseguiam aprender a ler bem.

Estas concepções repercutiam-se nas práticas pedagógicas, quer de professores, quer dos educadores do pré-escolar, dando origem às chamadas actividades propedêuticas da leitura, baseadas, como todos sabemos, em exercícios de estimulação sensorial e perceptiva, em grafismos e outras actividades destinadas ao domínio progressivo das noções de espaço, ritmo, tempo, etc.

Acreditava-se, então, que as competências desenvolvidas com estes exercícios eram aproveitadas pelas crianças no acto de ler. Assim, uma criança que distinguisse, por exemplo, um pato com o bico virado para a direita de outro com o bico virado para a esquerda, facilmente viria depois a distinguir o (b) do (d) e/ou do (p).

A isto se acrescentava a ideia de que as crianças não sabiam nada sobre a leitura, antes do ensino formal, ou seja, antes da entrada para a escola.

Trabalhos feitos a partir dos finais dos anos sessenta, início dos anos setenta, tais como os realizados por J. Dowing e Bruner (1971), vieram mostrar que a leitura não é fundamentalmente um acto perceptivo como se pensava. É fundamentalmente um acto cognitivo, o que significa que a compreensão que se tem da tarefa de ler e dos seus objectivos desempenha um papel determinante. É essa compreensão que vai tornar operacionais e eficazes as outras competências para a leitura.

Estas concepções repercutem-se também na prática pedagógica, nomeadamente no modo de organizar as actividades preparatórias da leitura.

Nesta perspectiva, a tónica principal deixa de ser posta nos treinos de aptidões psicológicas gerais ( discriminação visual, auditiva, interiorização do esquema corporal, lateralização, etc.) para ser situada em actividades que levem as crianças a perceber a natureza e a função do acto de ler e a proporcionar-lhe, logo nos primeiros dias de aula, o máximo contacto com o escrito.”


* In “ Materiais de Apoio Aos Novos Programas – Leitura e escrita 1º Ano – Pag. 7 e 8






Encerrada esta parte do blogue dedicada à "Leitura e Escrita em Contexto Familiar", que por analogia abrange a faixa etária das crianças que hoje frequentam a Educação Pré Escolar,  gostaria de fazer uma pequena chamada de atenção:

Considero, apesar das devidas distâncias no tempo, materiais e  linguagem, que muito do que descrevi, tem a ver com o que hoje se preconiza para as crianças em idade de Jardim de Infância, e vem expresso nas “ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA A EDUCAÇÂO PRÉ ESCOLAR”.

Hoje, em 2015, o Jardim de Infância, apesar de ainda não ser obrigatório, abrange já, cerca de 80% das crianças de cinco anos de idade. Ora isto vem retirar ao Ensino Primário, o carácter de "Ciclo Iniciático na aprendizagem formal da Linguagem Escrita", como acontecia até há pouco tempo.

"No entanto, se na Escola Primária se aprendem os conteúdos instrumentais, como a leitura, a escrita, a explicitação da gramática, as operações aritméticas, etc., no estádio anterior, foi necessário motivar para essas actividades básicas que são instrumentos indispensáveis para uma apropriação crítica da cultura (...).

Por isso, o tempo do Jardim de Infância se nos apresenta como o mais precioso e inadiável para desencadear um envolvimento provocador do apetite de ler, escrever e pensar. Por isso, também, condenamos vivamente qualquer iniciação sistemática (formalizante) destas matérias no período da segunda infância. Não porque as crianças não fossem capazes de aprender, mas porque nelas poderíamos apagar para sempre o prazer inestimável de penetrar nos segredos da construção da escrita e da leitura."


Niza,Sérgio - Escritos sobre Educação, pág.70



É sempre bom relembrar que tal como escreveu Vigotsky “Qualquer situação de aprendizagem com que a criança se defronta na escola, tem sempre uma história prévia”
                                                                                  
Na linha de Vigotsky desenvolveram-se numerosos trabalho de investigação, que analisavam a evolução dos conhecimentos infantis sobre a escrita. Em Portugal, esses estudos foram desenvolvidos principalmente por Margarida Alves Martins e Lurdes Mata.

É a partir desses trabalhos, que hoje em dia claramente se pode afirmar que :

A criança, não aprende só pelos conhecimentos que lhe são formalmente transmitidos, mas tem um papel activo e participante, num meio em que a linguagem escrita é um instrumento cultural (...)”

“Tal como observa e pensa sobre muitos aspectos do meio envolvente, também sobre a linguagem escrita ela observa e reflecte, tentando resolver muitos problemas de natureza lógica com que se depara”  ( Mata, 1991).

Os trabalhos de investigação atrás referidos parecem tornar mais óbvia a relação entre insucesso escolar e meios sócio - económicos desfavorecidos, se pensarmos que as crianças provenientes destes meios têm tradicionalmente pouco contacto com a escrita e, por isso, menos oportunidades de interagir “com esse objecto do conhecimento que é a escrita” ( Ferreiro, 1987 ).

Para a mesma autora, “O insucesso escolar, atinge principalmente as crianças da classe social mais baixa, pois são aquelas, que por terem tido menos oportunidades de interagir naturalmente com a escrita , começam a aprendizagem escolar ao começar a escola primária, enquanto que as da classe média, não fazem mais do que continuar uma aprendizagem iniciada anteriormente”. 




Mas, voltando ao passado, aos 6 anos, a boa vida estava a acabar …

Era altura de ir para a Escola Primária!

É também altura de reflectir sobre “Os Objectivos da Escola Salazarista: <<A Sagrada Oficina das Almas>>”







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