A propósito dos professores que me marcaram no Liceu, aqui vai este pequeno texto.
“<<Quem fala mal, pensa mal e vive
mal.>> A
citação é de Nanni Moretti e pertence aos solilóquios agridoces do comunista
amnésico Michele Apicella no filme Palombella rossa (1989), mas seria possível
encontrar declarações equivalentes noutros autores.
A questão é que as palavras
são de facto importantes e que existe entre a organização do discurso e a
faculdade de pensar uma relação estreita que não permite estruturar uma sem
desenvolver a outra.
De entre as inúmeras falhas
que se podem apontar ao sistema formal de ensino português, uma delas é sem
dúvida a de não apostar suficientemente no desenvolvimento de competências da
ordem do discurso.
É evidente que os
estudantes têm de escrever e que devem falar – mas tudo ou quase tudo aponta
para a produção de um discurso escrito estereotipado ( << Esta pergunta aqui é para
dizer o quê, S’tora?>>
) e para um empobrecimento da oralidade. As razões são muitas – turmas grandes,
programas carregados, iliteracia familiar, a influência criminosa da televisão,
falta de hábitos de leitura, falta de preparação dos professores, problemas
disciplinares, etc. – mas a verdade é que os estudantes em geral (do básico,
do secundário e do superior) evidenciam deficiências comunicacionais gritantes
ao nível oral e escrito que se encontram na origem de inúmeros males maiores.
A verdade é que muitos dos
estudantes (e mesmo dos licenciados) portugueses têm dificuldade em expor as
suas ideias de forma articulada, em sustentar as suas opiniões ou expor os seus
argumentos e mais ainda em submeter as suas convicções a uma discussão ou em
desmontar uma argumentação alheia – oralmente ou por escrito.
É evidente que muito se
poderá fazer neste domínio no âmbito das aulas de Português ou de Filosofia,
por exemplo – mas é possível e desejável que a escola consiga agir sobre este
problema noutros momentos e noutros espaços, menos marcados pela necessidade de
<<avançar
na matéria>>
e onde a comunicação com e entre alunos se pode estabelecer, em principio, de
forma mais fluída e participada.
Isso é possível e pode ser
feito de forma agradável e eficaz em actividades extra curriculares (como podem
ser o jornal da escola ou o grupo de teatro), mas há momentos curriculares que
se prestam particularmente ao desenvolvimento das competências de exposição,
comunicação e debate de ideias: os chamados (em eduquês) <<períodos de
ausência lectiva>>
ou (em português) as faltas dos professores, que devem ser ocupadas por aulas
de substituição.
O documento do Ministério
da Educação, <<Organização
do ano lectivo de 2006/07>>
(…) sugere que as aulas de substituição sejam dadas por outro professor do
mesmo grupo com base no plano de aulas do professor titular. Mas o mesmo
documento admite que, na impossibilidade de fazer isso, o período de aulas seja
ocupado por <<actividades
de enriquecimento e complemento curricular>>.
Ora é possível e proveitoso
transformar essas aulas (em vez de aulas curriculares de segunda) em aulas de
debate de primeira. A prática é comum na escola anglo-saxónica, mas é boa e
pode ser explorada.
(…) Isto permitiria
proporcionar aos alunos um espaço simultaneamente de livre expressão e de lúdico
confronto intelectual, de prática de exposição e discussão públicas e de
exercício de cidadania.
Essas aulas poderiam partir
da discussão organizada de um tema da actualidade e poderiam criar um espaço
pedagógico enriquecedor para professores e alunos.”
* José Vítor Malheiros - Jornalista . In Jornal Público de 27 de Junho de 2006
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