“Numa sessão pública em que participei recentemente, discutiam-se com entusiasmo as estratégias e os métodos para levarem os jovens a ler mais do que hoje lêem.
Suspeito que o que se queria significar, com esta excelente intenção, era levar os jovens a ler outras coisas – em princípio, as coisas que entendemos como culturais, e que correspondem a uma espécie de cânone ocidental, seja o proposto por Harold Bloom, seja outro qualquer que queiramos inventar.
Porque ler, ler, nunca os
jovens leram tantas coisas como hoje. É simples: os níveis de alfabetização (os que permitem a leitura de um texto impresso, ainda que primária) aumentaram
significativamente nas últimas décadas; e a quantidade de material impresso
disponível cresceu exponencialmente.
Como o poder de compra, especialmente o
dos adolescentes é hoje muito maior do que há três ou quatro décadas, é fácil
de ver que não se lê hoje muito menos em Portugal – lê-se mais, muito mais, mas
nem sempre melhor.
Esta questão, ando com ela às
voltas há muitíssimos anos. Não me repugna que um jovem adolescente seja um
leitor compulsivo do Tio Patinhas. Tenho uma crença, talvez exagerada, na
capacidade de aperfeiçoamento da Humanidade: acho que, dessa experiência, há
uma coisa fundamental que é preciso que fique – o vício da leitura. É desse
vicio que se alimenta a paixão de um leitor.
(…)
A minha educação de leitor (compulsivo) fez-se também ao arrepio de elaborados programas de estímulo à
leitura. Havia, é claro em minha casa, muitos livros e montanhas de jornais.
Mas sempre me espantou que algumas das grandes figuras literárias tenham lido
Homero aos 8 anos e Goethe aos 12; eu tornei-me leitor porque fui lendo – tudo,
de todas as maneiras. Diverte-me pensar que, à minha maneira, me tornei um
modesto discípulo de Cervantes, <<que lia até os pedaços de papel atirados para o lixo>>.
Devorei jornais humorísticos,
biografias de jogadores de futebol, histórias de capa e espada, livros de
receitas, enciclopédias e cadernos diários; livros de aventuras, ensaios
políticos, revistas de astrologia; facturas perdidas nas ruas, pedaços de
embalagens de produtos, anúncios, livros policiais, postais e pajelas piedosas.
Nunca achei que estivesse a perder tempo, ao ler todas essas coisas. O meu
tempo, o da minha vida, é marcado pelas leituras (todas) que fiz.
Daí decorre a constatação de
que nunca ou quase nunca, li os livros que <<deveria>> ler <<na altura própria>>.
Não segui
cronologias nem listas sábias, não construí bibliografia pessoal, não eduquei o
meu gosto forçando-me a ler o que não me apetecia.
Estou como Alberto Manguel (possivelmente como todos os apaixonados leitores de livros), ao proclamar: << Na minha
opinião, os melhores guias são o capricho dos leitores – confiança no prazer e
fé no acaso – que por vezes nos põem numa espécie de estado de graça e nos
permitem transformar o linho em fio de ouro.>>”
(…)
*
António Mega Ferreira Revista Visão de
13 de Fevereiro de 2003
Ler por hábito. Ler, depois, porque se gosta. Parar de ler o que não se gosta. Mas ter de ir, correndo, até ao próximo livro, em busca do tempo perdido... e ler sempre. E ter a boa arte de o dizer, pois pode haver sempre alguém que, ainda não o sabendo, se decida a experimentar que coisa estranha é essa de se ler. Outra boa malha, Ana.
ResponderEliminarMuito interessante a maneira como puseste em prática a tua iniciação à leituraSendo o meu pai jornalista também li jornais,jornais humoristicos("Os Ridículos" o o "Sempre fixe" )jornais infantis"O Cavaleiro Andante",(é o único que me lembro ) e depois passei às colecções:Joaninha (tamanho minimalista como nós èramos,Manecas,Os livros de Virgínia Castro Almeida:Dona Redonda e Dona Redonda e sua Gente,Céu Aberto e Em Pleno Azul,e por fim A Colecção Azul com Os Desastres de Sofia e a famosa Princesinha.Todos estes passaram para as minhas filhas e agora,os que ficaram para a Teresa foram herdados pelo meu neto João Francisco.Gosto de comparar as diferenças na maneira como nos apaixonámos.E UMA PAIXÃO PARA A VIDA.
ResponderEliminarMaria Carlos ainda não te agradeci o esforço que fizeste para aprenderes a fazer os comentários. As pessoas continuam a dizer que tem muita dificuldade,
EliminarTão longe que andávamos mas tão perto, lemos os mesmos livros
Comentário copiado do e- mail da Custódia Guerreiro: PARABÉNS ANA!
ResponderEliminarGOSTO DE LEMBRAR PALAVRAS OUVIDAS QUE ME AJUDARAM NA PROFISSÃO DE EDUCADORA.
CONTINUA A FAZER O QUE GOSTAS.
ABRAÇOS
CUSTODIA