A Escrita Para os Pais

Estive três anos destacada no DEB (Departamento da Educação Básica) onde fui integrada numa equipa fantástica de educadoras “tutelada” (desculpem mas vou tirar os títulos de “Doutoras”) pela Teresa Vasconcelos, Miquelina Saraiva Lobo e Isabel Lopes da Silva, que trabalhou exaustivamente na elaboração e divulgação das Orientações Curriculares para a Educação de Infância.

Quando regressei ao Jardim de Infância, encontrei algumas modificações.Tinha havido alterações na equipa do 1º ciclo, tinha entrado uma colega nova, a Filomena Carvalho para substituir a Custódia Guerreiro. E até de sala mudei…

Mais fortalecida na teoria, mais exigente e insegura na prática!

Como já descrevi, a abertura da Escola ao Meio e a participação dos Encarregados de Educação na comunidade escolar, foi sempre uma das minhas preocupações.

No entanto, apesar de considerar que as estratégias desenvolvidas desde há já alguns anos foram positivas, verificando-se um grande número de presenças nas várias reuniões convocadas, a adesão às nossas solicitações e a participação total nas festas, o facto de vir com a “pica” toda para implementar as Orientações Curriculares, fez com que a minha postura em relação à ligação/participação com as famílias, tivesse evoluído.

Já não me chegava  só a participação dos pais nas reuniões, festas e convívios, senti que cada vez era mais importante dar-lhes conhecimento do trabalho realizado no Jardim de Infância, pois esse conhecimento, tal como é expresso nas Orientações Curriculares "Permite aos pais criar maior confiança no contexto da educação Pré-Escolar, também, por vezes, para eles desconhecido."

Esse conhecimento do trabalho realizado tinha sido transmitido às mães em conversas informais, quando vinham buscar as crianças ao Jardim de Infância e quando havia tempo para usufruir "o estar."

Mas em três anos até isso mudou!

Alcântara é Lisboa, com todos os problemas inerentes a uma grande cidade - o trânsito, os transportes, a falta de estacionamento, a falta de tempo. A maioria dos pais trabalhava.

Todas as crianças almoçavam na escola e 38 (em 50) frequentavam o A.T.L.

Muitas das crianças chegavam por volta das 8 horas, muito antes de nós, e partiam depois de nós.

Sentimos, que mesmo quando a relação era possível, havia somente pequenas trocas. As pessoas com pressa, não têm tempo para conversar, ver os trabalhos das crianças, ter conhecimento dos projectos que se vão desenvolvendo…

Assim, com a intenção de dar a conhecer o que se faz no Jardim de Infância, elaborámos, uma pequena brochura que intitulámos "O Livro dos Pais".



Essa brochura foi entregue na reunião de abertura do Ano Lectivo.

No entanto, conscientes de que existia uma grande diversidade cultural nas famílias das crianças, fizemos em conjunto uma leitura comentada.



Tentámos que, numa linguagem clara, simples e afectiva, estivessem expressas informações práticas e pedagógicas:
  • O telefone do Jardim de Infância.
  • A equipa do Jardim de Infância - (todas as pessoas da Instituição têm uma função e um nome.

  • O horário de funcionamento - (a importância das rotinas):

  • Pequenas e informais normas de funcionamento:

  • Apelos à participação dos pais

  •  As Orientações Curriculares para a Educação Pré- Escolar - (há directrizes oficiais que nos regem):

  • Como vamos cumprir essas orientações - (a nossa maneira de trabalhar.):

  • Como vamos fazer a avaliação do Ano Lectivo:

  • O Calendário Escolar.
  • A Pedincha:


Esta foi a nossa primeira estratégia de utilizar a escrita para estabelecer outro tipo de ligação com as famílias. Considerámos que foi positiva. No Ano seguinte, a brochura foi reeditada com a mesma aceitação. 

Querendo continuar a implementar uma estratégia sistemática de ligação escrita com as famílias, na brochura vinha expressa a nossa intenção de elaborar um Jornal Escolar. Restava-nos delinear que tipo de jornal queríamos “editar”.

Ao longo da minha vida profissional, fui fazendo com diferentes grupos de crianças de Jardim de Infância, experiências ocasionais e diferenciadas de jornais escolares. Os primeiros surgiram ainda muito ligados às técnicas Freinet, em que toda a produção do Jornal era feita com as crianças, utilizando o limógrafo, a imprensa escolar e diferentes técnicas de ilustração.

Foi sem dúvida, uma experiência muito gratificante, apesar do processo de elaboração ser bastante lento, o que dificultava uma tiragem mais regular. Dois, três números anuais no máximo era o que conseguia imprimir.

Depois, como as coisas em educação também têm modas, começou a haver a moda dos jornais de Escola, englobando o 1º ciclo e o Jardim de Infância. Tinham como objectivo fomentar uma maior articulação entre os dois níveis de ensino! Como devem imaginar, numa escola grande como a nossa isto obrigava a uma grande gestão de espaços e conteúdos. A página do Jardim de Infância passou, na maior parte das vezes, a ser só a descrição de uma actividade colectiva feita pelas duas salas. 

Apesar de considerarmos que o Jardim de Infância tem de desenvolver estratégias de articulação com o 1º Ciclo, ele tem a sua especificidade própria, que é urgente continuar a garantir. 

Essa especificidade própria traduz-se, como é referido nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, pelo trabalho realizado num grupo, com as suas características próprias, onde "cada criança, participando como sujeito do processo educativo, vai implicitamente desenvolver um projecto que tem como referência o seu desejo de crescer e aprender. Esse projecto é influenciado pelo meio em que vive, pelos conhecimentos e vivências de cada criança.”

O conhecimento que temos das crianças, leva-nos a prever que permanentemente, elas vão falar e interrogar-se sobre vários acontecimentos. Cabe-nos a nós educadores “partir dos interesses e saberes de cada criança para os ampliar e diversificar, despertando novos interesses e fomentando a curiosidade e desejo de aprender."

Acreditamos que o Jornal Escolar, desde que sistemático, poderá ser um importantíssimo veiculo de circulação e de comunicação dos pequenos projectos/actividades realizadas pelas crianças, individualmente, em pequeno ou grande grupo. Um maior conhecimento do trabalho desenvolvido no Jardim de Infância, tornará possível uma maior intervenção de outros actores da comunidade.


OPÇÕES "EDITORIAIS"

Jornal do Jardim de Infância ou Jornal de Sala, foi a primeira questão que se nos colocou.

 - A nossa 1ª grande opção foi a elaboração de um Jornal de Sala, identificado pelo número das respectivas salas (Sala 4 e Sala 5)

Esta opção foi fundamentada no facto de considerarmos que apesar de haver um grande trabalho de equipa, cada grupo de crianças / educadora, têm as suas características, ritmos e vivências próprias que é importante preservar.

 - Foi elaborada uma matriz para a capa do jornal de cada sala.

Essa capa, ao contrário do que é habitual foi sendo ilustrada individualmente por cada criança, utilizando diferentes técnicas de expressão. Esta estratégia, para além de uma função afectiva, permitiu também, ter a percepção da evolução gráfica de cada criança.




- Optámos também, por não organizar os nossos Jornais segundo rubricas bem definidas, passatempos, novidades, etc, mas sim, com a ajuda das crianças, escolher e transcrever noutro suporte gráfico as vivências mais significativas de cada sala, num determinado período de tempo (mês). 

A ilustração da maior parte dos textos foi feita individualmente por cada criança.

(A única rubrica fixa, era a dedicada à apresentação das contas dos gastos das salas)



Alguns Conteúdos dos Jornais 



  • Transcrição de conversas

  • Transcrição de conversas (aqui uma conversa de preparação da visita ao Palácio de Belém)

  • Transcrição de Passeios





  • Relatos de experiências


  • Relatos de Projectos




E nos jornais havia também Canções, Poesias, Fotografias de teatros, Matemáticas...


- A periodicidade foi mensal. Houve também dois números especiais dedicados ao dia do Pai e ao dia da Mãe.

- O Jornal de cada sala, foi distribuído:
  • Às crianças da respectiva sala. 
  • A todas as salas da Escola. (1 por sala)
  • Um exemplar de cada jornal foi entregue na reunião mensal do Conselho Consultivo de Alcântara.
Não podemos dissociar este processo, do trabalho desenvolvido nas salas, em que o envolvimento com a linguagem e com a linguagem escrita era uma constante. Sentíamos no entanto que estas crianças poderiam ir ainda mais longe se pudéssemos por ao seu dispor um computador, instrumento que considerávamos imprescindível, mesmo no Jardim de Infância.

Em Fevereiro, vimos anunciado no Jornal “Público” a abertura da candidatura do Concurso Nacional de Jornais Escolares.

 Porque não concorrer? Haveria a hipótese de podermos ganhar e, assim poder ter material informático. ( Na nossa cabeça material informático significava computadores.)

Junho chegou, e com ele a entrega do material para o concurso (5 exemplares a cores de cada um dos jornais) ...

(Transcrição do relatório enviado para o concurso)

" Neste momento, em que temos de apresentar para concurso o produto do nosso trabalho, foi para nós evidente, que algumas das nossas opções "editoriais" dificultaram a nossa candidatura. 

É para nós impraticável em termos económicos apresentar 5 colecções a cores de cada um dos números dos Jornais de cada sala. Por essa razão enviaremos unicamente um exemplar a cores, os outros exemplares serão fotocopiados a preto e branco.

No entanto estamos convictas que no próximo Ano Lectivo, manteremos essa estratégia, por nos parecer que permitiu às crianças e aos pais, uma apropriação mais efectiva e afectiva de todo o processo.

Não foi fácil, com crianças tão pequenas como as nossas, manter o ritmo das edições dos jornais. Muitas vezes sentimos vontade de não ter uma periodicidade tão grande. No entanto o processo foi irreversível!

Quando nos atrasávamos eram os próprios pais a perguntar:
 - Então este mês não há jornal?

Outros ecos nos iam chegando e nos iam dando alento:
 - Acho tanta graça aquilo que eles dizem...

 - Lá em casa é sempre uma festa quando chega o jornal, até a avó e as tias tem de o ler...

 - Mostro sempre o jornal lá no meu emprego...

Consideramos que o Jornal Escolar cumpriu largamente os seus objectivos. Transformou-se rapidamente num veiculo de comunicação, fazendo permanecer o dito e o vivido na Jardim de Infância."

E o fim do Ano chegou, vieram as férias. Em Setembro soubemos que tínhamos ganho o 3º Prémio no concurso.

No primeiro Jornal do Ano Lectivo 2001/2002, logo a seguir ao Editorial vinha uma Adivinha ( dirigida aos Pais )





Começou a haver grande movimentação, computadores que chegavam, computadores que partiam para serem arranjados, pais (no masculino,  porque destas coisas eles percebem mais do que as mulheres) a ligarem cabos e fios … Em finais de Dezembro já havia computadores nas salas, e uma impressora. Depois fizeram-se rifas, sorteadas na festa de Natal, e com o dinheiro comprou-se uma impressora nova a cores!

E o Jornal continuou, agora já com uma maior participação das crianças.

Tínhamos conseguido trazer para a sala um instrumento usado na vida real!

Como de costume o relato já vai longo, mas não queria deixar de pôr aqui alguns escritos de mães. Se nós escrevíamos para elas, elas gostavam de retribuir... 

Este é especial para a Aurora Fortio, Auxiliar de Acção Educativa e amiga, que me acompanhou durante tantos anos.
Este mete desenho e tudo. Eu de avental e a Aurora de bata...










Nota: O presente era o desenho, a escrita da avó da criança

v   

4 comentários:

  1. estava para ir começar a ler um livro mas resolvi ler mais este capitulo do teu livro. isto assim tem mais piada. o folhetim é uma arma do povo e como desde os tempos em que só existiam na telefonia, por vezes me deixei seduzir. Agora isso é uma impossibilidade tenho que poupar os poucos neurónios ainda em actividade ...
    de modo que lá me arrastei até ao fim de mais este. Já não me lembro do anterior e por isso fico á espera do próximo. Vê se lá consegues uma estória sem fim...

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  2. olá Ana

    Como ainda não consigo escrever no teu blogue envio-te este mail.

    A tua caminhada para conseguires melhorar o jornal escolar da tua sala reflecte o profissionalismo e a competência que te caracterizam.

    Conseguiste ilustrar na tua história os passos que seguiste para que o jornal de sala, como nós (no MEM) o entendemos se tornasse realidade.

    Vou citar alguns dos passos que considero importantes e que nem sempre resolvi tão bem como tu.

    Jornal escolar não...

    A capa ser ilustrada por cada um... eles podem dizer este é o meu jornal!

    Não ter rúbricas obrigatórias, o que torna mais fácil o jornal reflectir com clareza toda a riqueza que percorre a vida das crianças nas nossas salas.

    O jornal ser mensal.

    Conseguiste ainda demonstrar que os jornais escolares, como os que realizaste com os teus meninos, são um dos grandes veículos para levar a escola até à família, ao bairro, e à comunidade.

    Para além de ser um dos grandes incentivos para desenvolver as aprendizagens, a vida entra na escola e sai de volta com alegria.

    Ir para esta escola é muito bom

    Um beijo da Guida Faria

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  3. Meu caro Luís apesar de gostar de folhetins, uma história sem fim acho que não consigo escrever só por uma razão - acho que já ando um bocadinho farta! Mais uns dois capitulos e a oisa fica acabada.

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  4. Gosto muito da escrita para os pais e da escrita dos pais.Grandes esforços para levar os pais de meios pouco escolarizados a perceberem o que se passava na escola. Quem trabalhou em meios semelhantes compreende o verdadeiro significado destas conseguidas tentativas de comunicação. Tão bonito!

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