Para Começar





Um hábito já antigo leva um grupo de amigos de longa data a passar em conjunto, uns dias de férias no Algarve.

As alterações climatéricas e a idade, já não nos deixam passar o dia estendidos ao sol como acontecia até há uns anos atrás, por isso os dias vão passando entre as idas à praia, no horário desinteressante mas aconselhado, breves interregnos no bar da “nossa praia”, idas ao supermercado, para umas compras ligeiras, porque ninguém está para se cansar muito! Depois do almoço a sesta, e novamente a praia. O jantar atrasa-se e no jardim, em volta da mesa as noites são longas e bem regadas. Recordam-se tempos antigos, discutem-se e confrontam-se ideias. Rimos e dizemos disparates. Todos nos sessenta e muitos... Filhos criados e alguns netos já nascidos. Alegrámo-nos com o 25 de Abril, fomos intervenientes política e civicamente no que se convencionou chamar “Esquerda”, agora talvez ainda sejamos de esquerda, mas de uma esquerda desencantada.

Nesses jantares prolongados, há temas que ao longo dos anos são recorrentes, as histórias do tempo do Liceu D. João de Castro é um deles.
Oiço mas pouco participo – eu não pertencia aquele grupo, apareci por acréscimo. Também não andei no D. João de Castro!

Mas um ano, as recordações estudantis descambaram para críticas ao estado do ensino. Episódios relacionados com exames, e com os fracos hábitos de leitura dos estudantes, tinham já levantado polémica nos jornais, traduzindo-se em acérrimas críticas dos cronistas habituais. Esses nossos intelectuais (e os meus amigos também) estavam chocados com a descoberta de que a maior parte dos alunos não lia os livros obrigatórios, e se socorriam de manuais de apoio, onde as obras estavam resumidas. “Como se pode permitir um tal descalabro? Como é que um aluno pode evoluir sem ler os clássicos … Os Lusíadas, o Eça ou Camilo, já para não falar no Saramago?”

Recordei que esses livros de apoio já estavam em uso no meu tempo de liceu, e que muitas vezes os usei. Recordei que embora proveniente de uma família onde existiam hábitos de leitura, não consegui ler dos Lusíadas pouco mais do que o Canto Nono, que nem sequer constava nos exemplares adoptados nas escolas, pois tinha sido censurado. O mesmo se passava em relação ao Primo Basílio ou ao Crime do Padre Amaro, em que só pequenas partes me interessavam, aquelas que passavam de boca em boca, despertando isso sim grande motivação. As minhas leituras “ditas obrigatórias” resumiam-se ao que vinha nas Selectas Literárias, o que não quer dizer que não lesse com agrado outras obras e autores.

Mas naquele momento, os meus amigos estavam convictos de que a escola de antigamente era melhor do que a actual, e não adiantava discutir! 

É interessante verificar, que quando as pessoas da minha geração falam sobre a “sua escola”, nem se dão conta de que elas próprias são produtos de sucesso dessa escola. Frequentar o liceu, ou a faculdade era quase uma experiência de elite!


Quando fazem essas análises, esquecem-se que a sociedade mudou extraordinariamente em todas as áreas, da política à economia, da organização territorial à organização social.
A estrutura social da sociedade portuguesa é totalmente diferente da existente nos anos sessenta.

Há também, nestas comparações um aspecto muito ténue, quase irrelevante, mas que consiste no desfasamento existente, entre o que uma geração mais velha aprendeu, sabe, e considera importante, e o que a geração mais nova sabe, aprendeu e considera relevante.

Mudou tudo. E no ensino? De uma escola só para alguns, passámos a uma escola massificada… Tirando esse facto, que ninguém pode deixar de encarar como positivo, o que mudou ou não nas escolas? – Se calhar muito pouco, e aí talvez resida o problema.

Mas disto tudo, ficou-me o desafio: - Como é que se fala da escola, das questões da aprendizagem da linguagem escrita, com os não professores?

Por gosto ou deformação profissional sempre me interessei pelas coisas relacionadas com a infância e a escola. Seguindo a ordem natural da vida, foi havendo necessidade de desfazer as casas dos meus avós, dos meus pais. Quase sem dar por isso, fui herdando um vasto espólio constituído por brinquedos, postais, cadernos, livros e manuais escolares. Enfim, cada maluco tem a sua mania, mas ninguém guarda coisas de que não gosta! São caixas e caixas de tralha, sem nenhum valor a não ser o afetivo.

Voltando ao desafio de falar das questões da aprendizagem da linguagem escrita com os não professores, pensei que isso não poderia ser feito através da visão dos pedagogos ou dos linguistas, se calhar era importante visualizar documentos da época. Como os tinha, porque não organizar alguns?

Por opção, deixei para trás os mais antigos, e cingi essa recolha aos documentos escritos relacionados comigo, dei-lhes uma sequência temporal e acrescentei “legendas” e pequenos textos para se poder ver como a escrita acompanhou o percurso familiar, escolar e profissional de uma educadora de infância – Eu!

Isto de falar da escola, e das questões da aprendizagem da linguagem escrita, com os não professores, é uma justificação um bocadinho esfarrapada… como se isso lhes interessasse alguma coisa! 

Teria sido mais simples dizer:
- Adoro foto-biografias! Gosto de tudo, do aspecto arrumado, da cor amarelecida dos documentos, do ar retro das fotografias antigas, do papel que é brilhante e de boa gramagem.

E como gostos não se discutem.
E nunca haverá ninguém interessado em fazer a minha biografia, com fotos ou sem fotos.
E apetece-me escrever.
E tenho material…
Esse trabalho terá de ser meu.
E foi.

E a partir de agora, vai começar a estar neste blogue.

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