(HISTÓRIAS VERDADEIRAS)
Pode parecer descabido escrever
estas historietas pueris e até um pouco "naifs", mas considero que elas cabem aqui, incluídas na importância do oral para o enriquecimento do vocabulário.
Ficaram-me na memória, porque repetidas vezes sem conta nas reuniões
familiares, me ajudaram a descobrir o mundo.
Gostava de acompanhar a minha avó aos
lanches em casa das amigas, principalmente das senhoras Catitas - três irmãs, a D. Adelina, a D. Laura e a D. Maria, que tinham sido professoras
da minha mãe, professoras de artes decorativas, lavores e francês.
Adorava a
casa delas, as toalhas de chá muito bem bordadas, as colheres de prata com a
cabeça de um anjinho e o bule que tinha um abafador que era uma dama antiga.
Também gostava dos bolos!
No entanto, nesses lanches o que eu gostava
verdadeiramente era de ouvir as conversas, que giravam sobretudo em torno do
Armandinho, do Pauleta, do Catita (irmão delas) do Zé do Perneta e do Carmo Dias (meu avô).
Eu era o orgulho da minha avó! - Que bem que esta criança se porta, diziam as amigas. Muito calada e composta, mantinha contudo os olhos bem abertos e os ouvidos à escuta. Havia palavras que
me despertavam a curiosidade, “jogatana” era uma delas, “amásia” a outra. (ambas recorrentes)
Depois procurava esclarecimentos, mas esses esclarecimentos, por qualquer razão
misteriosa, intrínseca à minha natureza, eram sempre pedidos quando havia público alargado. Acho que gostava
de ver a cara aflita das pessoas!
- Ó avó, o que é amásia? (ficava tudo mudo a olhar para mim).
- Isso
não são coisas para meninas, respondia invariavelmente a minha avó. Só o meu
pai achava grande graça e procurava esclarecer:
- Amásia é uma amiga de um senhor
casado.
- O avô Carmo Dias também tem uma
amásia?
Novo mal estar na plateia
- Mas esta
criança tem coisas, parece que é maluca! Onde é que ela vai buscar estas
coisas?
- Outro dia, estiveram a falar de uma amiga do avô que era
costureira…
E pela voz do meu pai, que não tinha
grandes pruridos em falar sobre todos os assuntos, lá vinha a história de
quando a minha avó “fintou o Cristo”, porque tinha feito uma promessa de ir a
Fátima a pé, se o meu avô largasse a tal amiga. Mas, quando chegou a hora de
cumprir o prometido, ela alugou uma carroça e foi em pé em cima da carroça.
Na mercearia do avô também se
aprendiam belas palavras, daquelas fortes, másculas que enchiam a boca. Assim,
enquanto brincava metendo as mão nas tulhas dos feijões e grão, e me entretinha
a mudar-lhes as respectivas etiquetas, ou punha os rebuçados “SANTO ONOFRE” em
filas bem arrumadas, para depois, cantarolando Rei, capitão, soldado,
ladrão, menina bonita do meu coração, escolher aquele que me vinha parar à
boca, ia ouvindo as palavras dos homens,
que de sacas de serapilheira na cabeça carregavam diversos fardos para o
armazém, soltando as tais palavras de belas sonoridades.
Um dia, brincava eu com um burrinho de peluche, uma vizinha disse
assim:
- Ai que lindo burrinho que tem a
Anita! Como é que ele se chama?
Fui apanhada de surpresa.
Provavelmente senti que tinha de corresponder ao anseio da senhora e
rapidamente respondi:
- Cabrão.
O burrinho chama-se cabrão.
(uma palavra que eu tinha ouvido aos homens)
Apesar de ser um belo nome para um
burro, depois de mais uma conversa familiar lá acedi em mudar-lhe o nome para
gajo. (outra palavra que enriqueceu o meu vocabulário)
Uma das histórias que se contava e
que era a minha coroa de glória era a seguinte:
Havia uma prima bastante mais
velha do que eu, quase casadoira, que aos Domingos recebia a visita do
namorado, que por acaso era seu primo direito. Depois do almoço, retiravam-se
para a casa de estar (uma pequena saleta). Aquilo fazia-me confusão! E um dia perguntei:
- Porque é que eles vão sempre para a casa de estar
sozinhos?
- Vão
namorar.
- O
que é namorar?
- É
para as pessoas conversarem e se conhecerem melhor antes de casarem.
- Mas
eles já se conhecem há tanto tempo…
- Está
bem mas é assim, deixa-os sossegados.
É óbvio que aquilo não me satisfez,
no Domingo seguinte lá achei artes de me escapar logo que acabei de comer, e
fui-me esconder debaixo de uma mesa de camilha, esperando descobrir o que era
namorar. Por acaso a coisa desenrolou-se com muito pouca graça e, o que apanhei
é que ele ia comprar uma "telefoniazinha" para porem na "casinha" deles. Depois,
alguém os chamou e pude sair de baixo da mesa. Ao jantar, comuniquei que já
sabia o que era namorar. E foi assim que lá em casa namorar passou a ser falar
da "telefoniazinha"!
Bastante mais interessante me parecia
ser o namoro de outra prima, essa devia rondar já os quarenta anos (o que para mim era ser uma velha) e namorava
um senhor que se chamava Belmiro. Um dia, ela contou ao meu pai que num fim de tarde, andando a passear à beira-mar com o namorado, tinham visto um raio
verde. A graça que o meu pai achou, só dizia rindo:
- Pois, pois, chama-lhe o raio verde…
E sempre que ela aparecia lá em casa, lá vinha a risota quando ele lhe perguntava se ela tinha voltado a ver o tal "raio verde".
No entanto, nunca pude descobrir o
que era. Só muito mais tarde, num livro do Júlio
Verne vi referido o tal raio verde, mas não me pareceu que fosse no mesmo contexto.
Verne vi referido o tal raio verde, mas não me pareceu que fosse no mesmo contexto.
Como sempre...ADOREI !!!
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
EliminarObrigada.
EliminarQue delícia, Ana!! Acho fantástico teres memórias assim como estas - acho que não consigo ter memórias tão antigas!
ResponderEliminarGostei muitíssimo!!
Beijos
Obrigada pelo vosso incentivo. São memórias que depois quero reverter para a actualidade. Vamos ver se consigo
ResponderEliminarUma criança "pacata" é tudo o que faz falta numa família....
ResponderEliminarPois é Fátima, crianças pacatas e Cuscas fazem falta.
ResponderEliminarQue delícia, Ana! Adorei.Ana Rita
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