(HISTÓRIAS VERDADEIRAS)
Principalmente em Torres Novas, os Domingos passavam lentamente, com a família reunida. Depois do almoço, normalmente uma bela canja de galinha, e uma galinha no forno com arroz, cada um ocupava-se como queria, mas depois do lanche (ou seria lanche ajantarado?) ficava-se ali na casa de jantar, jogando à pulga, dominó, loto e lá vinham as histórias…
Gostava
de as ouvir, quanto mais horríveis melhores, as de uma epidemia, a pneumónica,
que matou tanta gente, que havia necessidade de enterrar os mortos
rapidamente para não contaminarem os vivos, tão rapidamente que por vezes não
estavam bem mortos.
Gostava
de ouvir a história de um irmão gémeo do meu pai que morreu à nascença, sem ser
baptizado e que foi para o limbo, um lugar bonito perto do céu.
Gostava quando
o meu pai me queria baralhar a dizer que se calhar era ele que tinha morrido e
eu era filha do meu tio… mas gostava principalmente das histórias do meu pai
menino. Menino que foi ao Jardim Zoológico com um fato à marinheiro que tinha um chapéu a dizer
N.(avio) R.(epublicano) P.(ortuguês) Afonso de
Albuquerque, e que com o entusiasmo deixou cair o chapéu para a aldeia dos
macacos, que o estraçalharam em três tempos. Para a história ser mais real lá
se ia buscar a fotografia do fatinho…
Ou a de quando menino ainda pequeno, logo depois da quarta classe, foi estudar para
Coimbra, interno num colégio! E a dificuldade que ele tinha para aguentar as saudades
de casa. Mais uma vez vinham os postais a
ilustrar essas histórias.
Ou
então aquela história dele, um bocadinho mais crescido e “sabido”, que quando ouviu o Director
dizer que estava muito fraco e ia ter más notas no final do período, resolveu
antecipar essa comunicação, e escrever um postal à mãe:
"Minha querida mãe
O senhor Director está muito preocupado com a minha saúde, acha que estou muito fraco. É melhor na volta do correio mandar umas bananas e uns biscoitos para ver se eu me ponho bom depressa.”
E
conforme o pedido, na volta do correio lá seguiu uma cesta, carregadinha de
coisas boas para o menino melhorar, junto ia também um bilhete do meu avô com
um recado:
“A tua mãe é muito ingénua mas eu não!”
No entanto, de todas essas histórias, a mais divertida, era
quando se recordava uma incursão do meu pai nas lides teatrais, enquanto
dinamizador ou organizador de uma récita a favor da Casa de Torres Novas.
Autênticos saraus aconteciam. Ia-se buscar o programa, organizava-se um teatro
com as cadeiras todas em fila, e o espectáculo, “com partes gagas” começava com
o recital de poesia, moderna e antiga, seguida de uma "lasquinha da Ceia dos
Cardeais", em que o meu pai representava todos os papéis. Como era bonito o
“amor em Portugal” !
Para além deste convívio
“documental”, também chateava toda a gente para que fizessem leituras do que me
rodeava. Esses pedidos de leituras passavam pela escrita existente nos objectos
do quotidiano, desde os dizeres existentes nos sacos de guardanapo, aos pratos
pendurados nas paredes.
E, foi assim, que namorar, amar, gostar, passaram para
mim a estar ligados ao ler e escrever…
Namorar, amar, gostar e também controlar. Ao inserir este
objecto, não consigo deixar de me lembrar do meu amigo Sérgio Niza.
Que associação tão estranha, associar o Sérgio a um Rol da roupa branca!
Mas, quem tem o privilégio de lidar com o Sérgio, recorda
com certeza, que muitas vezes ele fala do “Rol” quando se refere à AVALIAÇÃO.
Na sua voz pausada, refere a necessidade de os professores e as crianças, terem
sempre presentes, as actividades e projectos em curso – “Assim, como se
fossem uma espécie de Rol da roupa, que antigamente as donas de casa
enviavam para as lavadeiras… Mas se há o Rol, tem de haver (aqui ele
costuma falar em francês, e vinca bem a palavra), o Contre-Rol … como
as donas de casa faziam para ver se não faltava nenhuma peça. Ora isto é
controle. É o que os professores e alunos devem fazer permanentemente" .
Ana, ler os teus textos é como voltar à infância e abanar um pouco aquela zona do cérebro que, com o tempo, se vai transformando no sótão onde raramente vamos. Antigamente não havia televisão, mas a imaginação dos jovens era constantemente espicaçada bem como o desejo de conhecer melhor, e mais depressa, o mundo que os rodeava. E isso passava pela necessidade premente de compreendermos aqueles hieroglifos que os adultos transformavam em mensagens, novidades e informações deliciosas, ou não...
ResponderEliminarPodes continuar. Nós gostamos. Mesmo
Fernando, para além de seres o meu mentor "bloguista" também podes ser meu "Comentador de serviço". Não é por seres o quase o único, mas por perceberes tão bem aquilo que quero dizer. Obrigada.
ResponderEliminarComo o tempo passa e custa a assentar a poeira das memórias...
ResponderEliminarGuilherme, com documentos a memória fica com menos poeira.
ResponderEliminarVou experimentar fazer uma coisa que acho que não se faz, vou copiar para aqui um e-mail da Clarisse:
ResponderEliminar"Continuo a divertir-me com os teus escritos. Também eu gostava das histórias de "faca e alguidar" contadas pela minha avó. Quanto mais terrível melhor. Histórias que seriam hoje censuradas por qualquer pedagogo cheio de boas intenções. Às vezes até me pergunto: Como é que eu sobrevivi tão bem? Ainda por cima algumas eram-me contadas com personagens verdadeiras, que eu conhecia, como se tivessem efetivamente acontecido. Ainda hoje acho que a minha avó acreditava tanto nas histórias como eu. E outras era mesmo reais, como as coisas que tu contas. O meu avô contava de um irmão que tinha morrido engasgado sentado numa cadeirinha à lareira, a impressão que aquilo me fazia, mas ele contava como se se tivesse passado com uma personagem distante.
Quanto ao índice, está muito bem e ajuda mas não percebi as etiquetas..."
Olá Ana! Estou a adorar ler o teu blog. Gosto do teu jeito fluido de escrever.
ResponderEliminarJá ri, já me emocionei e recordei tantas vivências... Obrigada!
Maria Júlia que bom encontrar-te aqui, e que bom estares a gostar. Daqui a algum tempo vai aparecer a Voz do Operário. Tens Facebook? Eu sou amiga da Bárbara. Se tiveres, com que nome apareces, não te encontrei nos amigos dela. Um abraço grande
EliminarOlá Ana. A Bárbara contou-me que lhe tinhas enviado a primeira tentativa de escrita da sua assinatura, através do facebook e mostrou-me. Gostei imenso de ver! Já lhe tenho dito que só tenho pena que a Matilde, a minha neta, não tenha vivenciado o mesmo ambiente pedagógico que ela vivenciou, onde tudo fazia e faz sentido.
EliminarQuanto ao facebook, confesso que sou uma resistente... Quem sabe um dia destes me registe.
Um grande abraço
Agora já tenho o teu mail, foi a Guida que me deu.Hoje saiu outro texto, mas é mais para rir.A ver se um dia nos encontramos. Beijos e abraços.
EliminarAgora já tenho o teu mail, foi a Guida que me deu.Hoje saiu outro texto, mas é mais para rir.A ver se um dia nos encontramos. Beijos e abraços.
Eliminar