“O debate que se realizou
na Assembleia Nacional em 1938 constitui uma das mais importantes fontes da
ideologia Salazarista no que respeita à educação popular. A Assembleia reuniu
para discutir a reforma da instrução primária do ministro Carneiro Pacheco. Mas
a discussão deu lugar a uma desenvolvida e reveladora exposição da nova
ideologia oficial, que negava os mais caros princípios pedagógicos do
liberalismo e do republicanismo e, consequentemente, o ideal de um sistema de
escolaridade obrigatória e gratuita. (…)
Os novos objectivos
apontados à escola pelo Salazarismo pretendiam combater as <<aberrações>> que o
liberalismo e a República haviam inculcado na mente popular. A uma educação
excessivamente intelectual deviam contrapor-se os conceitos da doutrina cristã,
sobretudo as palavras de São Paulo: <<Mulheres, sede submissas a vossos maridos, como convém
segundo o Senhor. Maridos, amai as vossas mulheres e não as trateis com
aspereza. Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto agrada ao Senhor.[…] Servos, obedecei em tudo
a vossos senhores terrenos, não servindo só na presença, como quem busca
agradar a homens, mas com sinceridade de coração, temendo a Deus>>
Tratava-se, em suma, de
ressuscitar a moral tradicional do temor a Deus e ao amo.
Sob a poderosa influência
das ideias positivistas, tanto a Monarquia liberal como a República tinham
querido modernizar o País. E, como acreditavam que o desenvolvimento dependia
da renovação das mentalidades, a educação ocupou para ambos um lugar
ideologicamente muito importante. À escola cabia formar, não apenas o cidadão
consciente da democracia moderna, como também, o que ainda era mais urgente, o
operário qualificado, necessário à industrialização.
O Salazarismo rejeitou
estes pressupostos. Nem a democracia nem o desenvolvimento económico eram
coisas positivas; as massas nunca poderiam exercer o poder e a industrialização
continha em si males e perigos. A educação do povo representava um ideal
utópico e demagógico que apenas dava <<uma ilusória elevação à massa ignara e inferior>>.
Os republicanos
orgulhavam-se de ter substituído Deus pelo ABC. O Estado Novo pretendeu,
exactamente com o mesmo zelo, repor Deus no lugar do ABC. (…)
A concepção que os
pedagogos do Estado Novo tinham do processo de aprendizagem diferia
profundamente da dos republicanos: enquanto os segundos se tinham devotado a
formar espíritos inquisitivos e ágeis, os primeiros viam a mente da criança fundamentalmente como uma espécie de armazém onde o saber era gradualmente
depositado. As crianças não aprendiam a reflectir sobre a realidade, mas sim a
assimilar aquilo que outros já haviam pensado por elas; o cérebro não
constituía, assim, um instrumento de análise, mas um recipiente destinado a ser
<<atestado>>.
Tudo quanto interessava
saber já fora descoberto e estava no compêndio escolar. Sobretudo aos alunos
pobres não devia ser autorizado o uso das suas capacidades de investigação ou
abstracção: pensar competia a outrem, não a eles. A eles competia, sim,
absorver passivamente um corpo de doutrinas.
A ênfase principal recaía na repetição,
provavelmente <<porque,
sendo aborrecido, constituía um excelente meio de auto disciplina>>.
(…) Mas a que espécie de actividade se entregavam as crianças
nas aulas? Quatro trabalhos absorviam-lhes a maior parte do tempo e energia:
ditado, cópia, redacção e contas. Depois de aprenderem algumas palavras
básicas, costumavam ser iniciadas nos mistérios do ditado. O professor abria o
livro único e debitava cadencialmente os textos familiares a partir do estrado
ou, se estava bem disposto, caminhando por entre as carteiras. (…). No fim,
(…) assinalados os erros cometidos, eram obrigados a copiá-los (depois
de corrigidos) um certo número de vezes, na esperança de assim os virem a
escrever correctamente.
As cópias, igualmente com
base no livro único, ocupavam também um lugar importante entre os deveres
escolares. Consistiam sobretudo em exercícios de caligrafia, usados pelos
professores não apenas como método de ensinar ortografia mas também como um
treino na estrita aceitação de um modelo ortodoxo.
As lições de leitura
constituíam exercícios monotonamente repetitivos. Aquilino Ribeiro dá-nos uma
excelente descrição da maneira como as crianças aprendiam a ler: << Com a ponta
do lápis, a D. Letícia ia calcorreando e
deletrando as linhas do trecho que marcara para leitura. Eu repetia a cantilena
sem me dar sequer ao incómodo de identificar as palavras […]. Ela não tinha paciência de nos fazer
silabar as palavras nem de no-las fazer ler salteadas, de modo que, chegados ao
fim do livro, sabia mo-lo de cor, mas éramos incapazes de ler correntemente
qualquer frase, tirada à sorte>>.
(…) As redacções limitavam-se, em regra, a ser meras repetições
das normas ensinadas na escola; não se destinavam, assim, a estimular a
criatividade ou a originalidade da criança. (…)
Os exercícios de aritmética
também podiam ser usados para transmitir a ideologia oficial. (…)
As lições de Geografia não
iam igualmente além de meros exercícios
de memorização de nomes de serras, cidade, estações de caminho-de-ferro
e até de rios das colónias.
(…) A aptidão que este tipo de ensino sobretudo requeria
consistia, obviamente, numa boa memória, qualidade que decerto nunca levaria
nenhuma criança a interrogar a realidade: as coisas tinham uma existência
imutável e sem sentido, pelo que a aprendizagem consistia unicamente em aceitar
e aprender a face da sua realidade material e os princípios eternos que as
enformavam.”
* Mónica,Maria Filomena,In Educação e Sociedade no Portugal de Salazar
- Pág. 109;131;132;145; 323 a 327
O drama entre um sistema de ensino arcaico e o moder(no)aço em que aquele pano de fundo que serve a toda a gente, o de uma cultura geral humanista, desapareceu - há quem diga 'mas de informática percebem muito!' - mentira, são é muito expeditos na manipulação dos ecrãs e teclados, basicamente em jogos e expedição de mensagens - mas o que estou a escrever não interessa nada ! - rsrsrs
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